Mais do mesmo: Alguns elementos para entender o conflito Rússia X Ucrânia.

Mais do mesmo: Alguns elementos para entender o conflito Rússia X Ucrânia.

Mais uma vez o mundo, dividido e polarizado, se vê diante de um impasse nas relações diplomáticas das grandes potências internacionais gerando um clima de tensão e medo em todo o planeta. O mundo olha com preocupação o conflito que se vislumbra iminente entre a Rússia e a Ucrânia. Já soou o sinal de alerta para a perspectiva cada vez mais real de um conflito armado entre esses dois países, sobretudo com a presença de mais de cem mil soldados russos posicionados ao longo da fronteira da Ucrânia. Em mesa de negociação, a Rússia exigiu dos Estados Unidos da América e seus aliados que apresentassem uma garantia concreta de que a Ucrânia jamais ingressaria na OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Por que a Rússia teme a entrada da Ucrânia na OTAN? Por que a Rússia tem tanto interesse na Ucrânia?

Ao longo da história, vários povos disputaram a região. No século XV a maior parte da Crimeia foi conquistada pelo Império Otomano e esse território serviu de base para incursões turcas contra terras russas. No século XVIII o exército russo toma a região da Crimeia que passa a ser um protetorado do Império Russo.

Com a formação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), a Rússia entregou amistosamente a administração da Crimeia para a Ucrânia, pois eram todas nações alinhadas ao socialismo e integrantes da União Soviética e, também, por não se imaginar a derrocada socialista e a dissolução da URSS.

Com a dissolução da União Soviética, o problema russo na Ucrânia (que tinha recebido a Crimeia) cresceu exponencialmente, pois agora a Rússia não tinha mais domínio sobre a Crimeia. A Ucrânia passou a ser uma nação independente e a Crimeia fazia parte de seu território. Ou seja, a Rússia perdeu a Crimeia.

É bom ressaltar que 60% da população da Crimeia é formada por russos ou descendentes de russos e com fortes laços afetivos e culturais que os ligam à sua terra de origem. Com isso, até 2010, os governos ucranianos eram plenamente alinhados ao governo de Moscou, razão pela qual a Rússia ficava relativamente tranquila na região. No entanto, em 2010, a Ucrânia recebe pesado investimento dos USA e aliados europeus para financiar grupos de oposição que vencem as eleições e, assim, a Ucrânia passa a ser governada por dirigentes não alinhados ao governo de Moscou, mas com tendência a se unir aos países da Europa e com forte interesse em ser parte integrante da OTAN. Aí o problema tornou-se realmente sério para a Rússia e que pode ser condensado em três grandes pontos:

Primeiro. Questões econômicas: 

A Europa é dependente de gás natural que vem da Rússia. Os gasodutos que abastecem a Europa passam pela Ucrânia, e mais especificamente na região da Crimeia, que era território ucraniano até 2014, quando voltou a ser território russo gerando grande economia ao governo de Moscou.

Outro fator muito importante é o fato de que os mares da Rússia (Oceano Ártico e o Mar do Japão) ficam congelados em determinados períodos do ano, comprometendo o escoamento de sua produção e suas relações comerciais com o mundo. No entanto, o Mar Negro, que fica situado no ponto de encontro da Europa com a Ásia, e é limitado pela Ucrânia ao norte, pela Rússia a nordeste, pela Geórgia  a leste, pela Turquia ao sul, bem como pela Bulgária e pela Romênia a oeste, este mar não congela e chega até terras russas. O livre acesso da Rússia até ao oceano Atlântico durante todo o ano, passando pelo Mar Negro, é de vital importância para a economia russa.

Segundo. Questões militares e de segurança:

Desde a conquista da Crimeia no século XVIII, os russos construíram na região uma forte estrutura bélico-militar, podendo controlar toda movimentação naval no Mar Negro. Isto, por si só, já se constitui em grande vantagem estratégico-militar na região.

Como já dissemos, até 2010, os governos ucranianos eram plenamente alinhados com os interesses de Moscou. Em 2010, porém, assume na Ucrânia um governo contrário aos interesses de Moscou (apoiado pelos USA e aliados na OTAN) e voltado para alianças com a Europa e, sobretudo, com interesses de participar da OTAN. Esse foi o ponto crucial para o governo russo.

A Rússia percebeu que um país, no caso a Ucrânia (ex-aliado), que se situa perto de sua fronteira está se tornando numa plataforma de aliança militar ameaçadora ao pleitear ser tornar membro da OTAN e assim passar a armazenar mísseis e tropas dessa organização que podem ser usados contra a própria Rússia.

A região, a extensão territorial e, sobretudo, o intenso inverno da Ucrânia sempre foram fortes aliados das estratégias militares russas desde o tempo de Napoleão em 1812, passando pelos ataques sofridos tanto na primeira quanto na segunda guerra mundial. Em todos esses ataques bélicos sofridos pelos russos, foi o território da Ucrânia que os salvou.

Há ainda a questão da distância geográfica a ser considerada. Se a Ucrânia ficar em mão de governos favoráveis à Europa e à Otan e, em caso de conflito armado, as forças militares da OTAN estariam a aproximadamente 600 quilômetros de Moscou, ao invés do mais de um mil e seiscentos quilômetros na hipótese de a Ucrânia ficar alinhada aos interesses russos.

A Ucrânia é ponto estratégico militar essencial na visão geopolítica russa. Foi por essa razão que, em 2014, e aproveitando-se da maioria da população de origem e cultura russas, que o governo de Moscou conseguiu articular o retorno da Crimeia ao território russo via referendo popular.

É mais do mesmo: se em 2010, os USA e aliados europeus conseguiram articular um governo contrário aos interesses de Moscou e alinhado à OTAN e à Europa, agora, em 2014, o governo russo consegue retomar um governo alinhado com a Rússia e facilitar o referendo popular que fez a Crimeia voltar a ser parte integrante de seu território.

Terceiro. Questões históricas e culturais:

Em um artigo publicado em 12 de julho 2021, Vladimir Putin, ao declarar que a Ucrânia estava fazendo um jogo perigoso ao se transformar numa barreira entre a Europa e a Rússia, evocou os laços históricos, culturais e religiosos que unem a Rússia e a Ucrânia, dois povos provenientes de um ancestral comum – o antigo povo Rus.

Além disso, a maior parte da população tem origem russa e ainda mantém seus costumes, crenças e valores.

Tudo isto posto, podemos dizer que é mais um capítulo da mesma história. É Mais do Mesmo. Assim como foi na Líbia, assim como foi na Síria, hoje é na Ucrânia. Dois blocos ideológicos e de poder que brigam entre si e seus povos sofrem as consequências.

Que nossas relações pessoais, interpessoais, familiares e de proximidade não sejam afetadas pela polarização político-ideológica dos grandes sistemas de domínio e poder.

José Archângelo Depizzol

02/02/2022