ELEIÇÕES 2022: Cenários, Forças Articuladoras e Narrativas de Campanha na América Latina e no Brasil.
Em outubro de 2022 o povo brasileiro vai às urnas para definir novos representantes em diversos cargos eleitorais. Assim, serão eleitos os mandatários de cargos para Presidência da República, Governadores, Senadores, Deputados Federais e Deputados Estaduais.
As eleições no Brasil tem íntima ligação com a conjuntura e as forças articuladoras que procuram consolidar ou mudar a política em vigor no continente latino-americano. Não podemos pensar a política brasileira desvinculada da política continental e global.
O BRASIL NO CONTEXTO DOS GRANDES SISTEMAS SOCIOECONÔMICOS E POLÍTICOS
Num breve resgate histórico, podemos assinalar que nossa formação como nação brasileira sempre esteve e ainda está intimamente vinculada ao desenvolvimento do sistema capitalista que, por sua vez, passou por três grandes fases em seu desenvolvimento histórico e acabou, consequentemente, contribuindo para a formação de três grandes ordens geopolíticas mundiais.
Na primeira fase do desenvolvimento capitalista que costuma ser denominada como Capitalismo Mercantil, o detentor do poder capitalista era constituído basicamente pelos grandes comerciantes e mercadores. Foi o período áureo das grandes navegações que provocaram mudanças na configuração global. Destacam-se, nessa fase, o movimento das grandes navegações, as novas rotas comerciais, a descoberta e colonização de novos continentes e a exploração predatória das terras e povos colonizados. Em outras palavras, o grande comerciante era, também, o detentor do poder econômico e político nessa fase.
Nesse estágio de desenvolvimento capitalista, o mundo viveu sob a hegemonia do poder naval, econômico, comercial e bélico da Inglaterra, configurando-se, assim, ao que se denominou Ordem Mundial Monopolar, ou seja, o mundo girava em torno de um único eixo, de um único polo, no caso, a Grã-Bretanha.
Essa fase de desenvolvimento capitalista – Capitalismo Mercantil – mostrou seu todo o seu poder até ao advento da Revolução Industrial que se inaugura uma nova fase do capitalismo, ou seja, o Capitalismo Industrial. Agora, o poder capitalista migra das mãos do Comerciante, do Mercador, para as mãos dos donos das grandes indústrias.
Com o desenvolvimento industrial e o imperativo de aumento de produção, novas relações de trabalho foram estabelecidas, surgiram e/ou foram acentuadas relações de exploração do trabalhador e, consequentemente, a formação de uma classe operária que lutava por seus direitos e melhores condições de trabalho e de vida.
Em todo o mundo industrializado, sindicatos e associações de trabalhadores procuravam modelos alternativos para a relação capital/trabalho. Com isso crescia e se fortalecia a ideia e o ideal de um mundo socialista. Esse processo se acirrou com a revolução russa de 1917 que destituiu a monarquia representada pelo Czar Nicolau – e com o massacre de toda sua família.
Um dos principais aspectos da Revolução Russa é o fato de ela ter sido pensada e conduzida pelos princípios da doutrina marxista (Karl Marx) com adaptações e acréscimos de um plano estratégico levado avante por Lenin. Com a vitória da revolução bolchevique foi implantado, na Rússia, o regime comunista.
O poder comunista tomou forma e cresceu muito em sua relação de força contra outras nações do mundo – especialmente os Estados Unidos da América – quando a Rússia anexou várias repúblicas ao seu território e constituiu a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
Configurou-se, assim, uma nova ordem mundial: Ordem Mundial Bipolar, ou seja, dois fortes polos de poder passaram a exercer seu domínio, influência, base ideológica e relações comerciais e de defesa no mundo. De um lado, o mundo capitalista, capitaneado pelos Estados Unidos da América, e de outro lado, o mundo socialista, comandado pela URSS.
Esse mundo dividido em dois polos, em duas bases ideológicas, em duas fontes alternativas de força e de poder, pode contribuir para o entendimento da polarização política que se vislumbra no processo eleitoral brasileiro em 2022.
A ordem mundial bipolar perdurou até novembro de 1989 com a queda do muro de Berlim. É importante frisar que quando terminou a segunda guerra mundial, a Alemanha foi ocupada por tropas de quatro países: França, Reino Unido, Estados Unidos da América (adeptos do capitalismo) e URSS (de influência socialista). Daí viu-se a necessidade de se dividir o país (e sua capital, Berlim) em dois novos países. A Alemanha Ocidental (capitalista) e a Alemanha Oriental (socialista). Esse mesmo processo de divisão do país ocorreu também no Vietnam e na Coréia, e pelos mesmos motivos.
Com a percepção de que a economia da URSS estava falhando e sentindo a necessidade de reformulação do sistema socialista, Mikhail Gorbachov empreendeu um processo de reformas na URSS que ficou conhecido como Perestroika. Com o enfraquecimento do bloco socialista no leste europeu – inclusive com a desanexação das antigas repúblicas integrantes da URSS – não havia mais razão de a Alemanha manter-se dividida. A queda do Muro de Berlim representa o enfraquecimento do bloco socialista no leste europeu e a vitória do sistema capitalista nessa relação de força com os países de tendência socialista. Foi nesse contexto da ordem mundial bipolar que se desenrolou toda corrida armamentista durante o período da guerra fria.
A terceira fase de desenvolvimento capitalista é o Capitalismo Financeiro. O dono do grande capital hoje não é um ser de produção (como foram os mercadores e os industriais), mas um ser de especulação e aplicação de recursos financeiros de terceiros. As maiores fortunas, os maiores lucros nos dias atuais (independentemente da pandemia) são obtidos pelas grandes instituições financeiras. Geralmente os ministros da Economia são provenientes do Mercado Financeiro, ou seja, são pessoas que conhecem e executam à risca os ditames da cartilha das grandes instituições financeiras.
Nessa nova fase do capitalismo, a ordem mundial se configura como Ordem Mundial Multipolar, pois os recursos financeiros podem se deslocar de um lado a outro do planeta com um simples clique na tela de um computador. Assim, novos cenários começam a se consolidar na atualidade e com destaque para três blocos mais luminosos: o bloco norte-americano, o bloco europeu e o bloco asiático (com grande destaque para o crescimento econômico chinês).
Essas forças vão interferir nas relações políticas e eleitorais no continente latino-americano e, também, no Brasil. Para o sistema capitalista, capitaneado pelos Estados Unidos da América, é muito importante que a América Latina (e principalmente o Brasil) seja dirigida por governantes com vinculação à direita capitalista sendo combatida e rechaçada qualquer tentativa de governos socialistas no continente.
AS ELEIÇÕES NA AMÉRICA LATINA E SEUS REFLEXOS NAS ELEIÇÕES BRASILEIRAS DE 2022
Sabe-se que o processo de relações de poder e de força exercido pelos grandes grupos econômicos (especialmente as grandes mineradoras, as transnacionais e as instituições financeiras) exerce forte pressão sobre a configuração sociopolítica de uma nação. No entanto, há que se registrar que as grandes corporações transnacionais não são as únicas forças responsáveis pela exploração dos países latino-americanos (incluindo o Brasil), mas também as alianças entre as oligarquias locais e esse conglomerado transnacional.
Esse é um dado importante e de atenção de todos os envolvidos no processo eleitoral, pois, em geral, o eleitorado se mobiliza em torno dos nomes de candidatos aos cargos de chefe do poder executivo (presidência da república, governadores e prefeitos), enquanto as oligarquias locais se atrelam aos grandes grupos econômicos e às empresas transnacionais preferencialmente por meio dos representantes eleitos para o poder legislativo.
Em passado recente, em 2021, o mundo se surpreendeu com o jovem Gabriel Boric, militante de esquerda e líder estudantil de apenas 35 anos, ser eleito presidente do Chile e derrotando com ampla vantagem de votos o candidato José Antônio Kast, representante da direita tradicional chilena.
Em novembro de 2021 Daniel Ortega sufragou seu nome para ocupar o cargo de Presidente da Nicarágua pela quarta vez consecutiva em processo eleitoral fortemente questionado no país e no mundo. Há que se dizer que sete concorrentes ao cargo foram todos presos ou forçados a sair do país.
No Peru, Keiko Fujimori – filha do ditador Alberto Fujimori e representante dos interesses capitalistas da região – foi derrotada por Pedro Castillo, um professor e sindicalista ligado à esquerda socialista.
No Equador se viu um quadro inverso: o banqueiro e representante da direita equatoriana Guilhermo Lasso venceu em acirrada disputa o seu concorrente Andrés Arauz, apoiado pelo ex-presidente Rafael Correa, ambos de tendência ideológica de esquerda.
Poderíamos analisar ainda a situação do México e da Bolívia, mas as variáveis intervenientes no foco do estudo são praticamente as mesmas. Estudos apontam que de 2020 até hoje, no México, noventa pessoas foram assassinadas por razões políticas, sendo que trinta e seis dessas vítimas eram candidatos ou pré-candidatos a cargos eletivos.
Todos esses dados nos fazem concordar com o professor de Política Internacional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Dawisson Belém Lopes quando afirma que as recentes eleições na América Latina “[…] mostram a esquerda fortalecida, mas com a direita bastante importante. Isso leva a um continente que está fraturado, que realmente essa bipolarização, essa polarização não é um fenômeno brasileiro, é um fenômeno no mínimo continental, para não dizer mundial”.
A esquerda latino-americana já contabiliza grande avanço com os resultados obtidos nas eleições entre 2020 e 2021 com a eleição de Luis Arce (Bolívia), Pedro Castillo (Peru), Xiomara Castro (Honduras), Gabriel Boric (Chile), além de Daniel Ortega (Nicarágua). Essa força que a esquerda continental ganhou nos dois últimos anos, poderá ter ainda maior peso em caso de vitória do ex-presidente Lula (Brasil) e do senador Gustavo Petro (Colômbia).
ELEIÇÕES 2022: Cenários, Forças Articuladoras e Narrativas no Brasil.
É dentro deste cenário continental e global que ocorrerão as eleições brasileiras em 2022. Algumas tendências podem ser observadas no comportamento do eleitorado brasileiro (e latino-americano) nos pleitos eleitorais realizados no período entre o ano 2000 até 2015, notadamente favoráveis ao establishment político, ou seja, favoráveis à manutenção e reeleição dos governantes.
A partir de 2015, no Brasil e em toda América Latina, o eleitorado manifestou seu desejo de mudança governamental e conduziu ao cargo novos nomes e rompeu com longos anos de governos, como na Argentina (com a vitória de Macri) que interrompeu um período de doze anos de governos ligados à Cristina Kirchner, e como aconteceu também nas eleições brasileiras em que o então candidato Jair Bolsonaro venceu as eleições rompendo um período de treze anos do governo do PT e conduzido até final de seu mandato pelo vice-presidente, Michel Temer, em virtude do processo de impeachment de Dilma Rousseff.
Hoje, ao que tudo indica, temos um novo processo de rejeição ao establishment político, como comprova a desaprovação dos argentinos ao governo de Mauricio Macri e que culminou, em 2019, em sua derrota eleitoral com vistas à reeleição, e elegendo Alberto Fernández para a presidência da república, e tendo Cristina Kirchner como vice-presidente. Ou seja, o eleitorado tentou mudar, mas o governo eleito não correspondeu às suas aspirações.
Processo semelhante pode ser imaginado para o Brasil que tentou mudar, mas os baixos índices de popularidade do atual presidente e postulante à reeleição apontam caminhos que se assemelham ao processo eleitoral vivido pelos argentinos.
Alguns grupos se movimentam para ganhar e/ou consolidar espaço no quadro de influências políticas no Brasil. Outros grupos com fortes lideranças são assediados por candidatos e propostas de formação de bancada ideológica. Entre outros, destaco os seguintes grupos:
- Grupo de Produção e Agronegócio: composto por detentores de grandes territórios e tecnologia de produção de alimentos voltados essencialmente para o mercado externo. Apresenta tendência ideológica contrária à política ambiental que era praticada no Brasil até 2015 e que deu sustentação à infeliz expressão do ex-ministro de Meio Ambiente Ricardo Salles em reunião ministerial do dia 22 de abril de 2020 e tornada pública por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), onde o ex-ministro afirmava que “Precisa ter um esforço nosso aqui, enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só se fala de covid, e ir passando a boiada, e mudando todo o regramento (ambiental), e simplificando normas”.
- Grupo dos Religiosos: composto por denominações religiosas de todas as vertentes, mas com predominância para o perfil de grupo religioso de matriz cristã, de formação conservadora e com forte apelo messiânico. A história política do Brasil é rica em figuras messiânicas que se apresentam como “salvadores da pátria” e que procuram associar o viés populista ao discurso moralista e conservador.
- Grupo dos plutocratas: grupo composto pela minoria detentora de 95% da riqueza da nação e que se une formando redes de poder e de influência para que seus interesses sejam garantidos em qualquer processo eleitoral e em qualquer equipe e/ou sistema de governo de um determinado país. Nesse grupo pode-se incluir o sistema financeiro, as grandes mineradoras, empresas transnacionais, grandes empreendimentos ligados ao mundo agro e outros similares.
- Grupo das grandes corporações financeiras: O setor financeiro está incluso também no grupo anterior, mas se faz necessário sinalizar alguns aspectos específicos da atuação do sistema financeiro na sustentação e manutenção de seus altíssimos rendimentos. A primeira característica é a do trabalho em bastidores e sustentação de campanhas. Diferentemente dos outros grupos que se expõem publicamente, os representantes dessas instituições financeiras agem em silêncio, nos bastidores e, geralmente, não pedem muita coisa ao novo mandatário da nação. A única exigência é sobre o nome e o perfil do novo ministro da economia: esse precisa ser oriundo do sistema financeiro e que esteja disposto a cumprir a agenda e a cartilha ditada pelo sistema financeiro.
A corrida eleitoral já começou. A campanha também, ainda que a propaganda explícita só esteja legalmente autorizada a partir do mês de agosto quando alguns assuntos estarão na pauta de todos os candidatos. Entre outros, podem ser ressaltados os seguintes:
- Economia: com um desempenho seriamente comprometido, a economia vem atrelada a outros problemas que geram perdas do poder de compra das pessoas mais humildes: inflação, preço de combustíveis, desemprego, aumento pobreza e da fome, a falência do sistema de saúde, e outros semelhantes;
- Pandemia: Pode custar muito caro o desempenho do governo federal com a forma de enfrentamento da pandemia que vitimou mais de 600 mil brasileiros. Certamente a pandemia será utilizada como justificativa governamental para o baixo desempenho do país na esfera econômica, mas os altos índices (de hoje) da rejeição que sofre o governo federal nas intenções de voto muito se devem à sua atuação no enfrentamento da pandemia.
- Rejeição aos Candidatos: não acredito muito no surgimento de uma terceira via que possa se apresentar como alternativa à polarização Direita X Esquerda, polarização que se vislumbra entre os postulantes Jair Bolsonaro X Lula. Esse será um tema que os dois postulantes que hoje lideram pesquisas de intenção de votos terão que abordar com muita habilidade e inteligência, pois ambos têm uma considerável margem de rejeição de parcelas do eleitorado brasileiro.
- Corrupção: essa poderia ser a bandeira para Sérgio Moro alavancar sua campanha e se apresentar como uma terceira via plausível no atual cenário político brasileiro, mas Moro saiu do governo federal com sua imagem arranhada e, hoje, seu índice de intenções de voto é muito baixo. Resta saber como Bolsonaro e Lula abordarão essa temática que, certamente, estará em pauta na campanha.
- Trivial: são os assuntos de sempre: saúde, educação, segurança, geração de emprego e renda. Todos esses assuntos, de fundamental importância na vida do povo brasileiro, precisam ser tratados com seriedade pelos candidatos e, sobretudo, pelos novos governantes. É inconcebível e inaceitável o lobby perpetrado pelas empresas administradoras de planos de saúde que pleiteiam o desmantelamento do SUS.
José Archângelo Depizzol
15/01/2022
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