Sob o Olhar da Mãe e nas Mãos do Pai
“O anjo, porém, disse aos pastores: ‘Não tenhais medo! Eu vos anuncio uma grande alegria, que o será para todo o povo: hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós um Salvador, que é o Cristo Senhor” (Lucas 2, 10-11).
Hoje é Natal! Com os votos mais comuns, cartões de Natal veiculam desejos e bênçãos para seus amados e amigos, sempre desejando muito amor, saúde, alegria, prosperidade, ternura, compaixão, solidariedade, esperança, emprego, mesa farta, filhos crescendo sadios e em liberdade e segurança… Sonhos de Natal. Sonhos infantis. Sonhos de Menino. Sonhos do Menino-Deus, do Deus Infante e Eterno, do Onipotente que se fez frágil no Presépio de Belém.
Geralmente, deseja-se para seus amados aquilo que ainda carecem. Então, estamos em falta de amor, saúde, alegria, prosperidade, ternura, compaixão, solidariedade, esperança, emprego, mesa farta, filhos crescendo sadios e em liberdade e segurança. Falta-nos esperança. Faltam-nos perspectivas mais alvissareiras em relação ao futuro. Falta-nos fé no futuro. E onde falta a fé, reina o Medo.
Essa é a Boa Nova dos Anjos de Deus aos pastores de Belém: “Não tenhais medo! Eu vos anuncio uma grande alegria” (Lucas 2,10). A esperança vem nas humildes faixas que envolvem o menino recém-nascido. A esperança e a alegria emergem no choro vital da criança que chega ao mundo portando em seu ser a ternura de Deus e o germe da justiça.
Ele chega como chegam tantos meninos e meninas ao redor do mundo. Sem lugar para eles. A cidade não os acolhe. A Luz nasce na gruta escura que ampara e abriga a vida de animais e humanos, sem distinção.
Pobres pastores. Difícil acreditar. Então, um sinal: “Encontrareis um recém-nascido envolvido em faixas e deitado numa manjedoura” (Lucas 2,12). O sinal parece não ser tão convincente assim. Um menino, recém-nascido, frágil, pobre, excluído e rejeitado pelas luzes da cidade. Logo Ele, a Luz do mundo, preterido às luzes do comércio de final de ano.
Para viver o Espírito do Natal de Jesus – Luz das Nações – é preciso resgatar a esperança perdida e superar os tentáculos do reino de trevas que insiste em manter a injustiça e a desigualdade sociais, que teima na devastação ambiental, na exclusão e fome de numerosas multidões enquanto a riqueza torna-se cada dia mais concentrada nas mãos de poucos.
Triste o Natal. A Luz rejeitada e substituída por lâmpadas multicoloridas. O Deus-Presente, o Emanuel sendo substituído por pacotes e embrulhos. O Amor dando lugar e sendo substituído (ou transformado) em objetos, e a alegria e a jovialidade de um Deus feito criança sendo transmutadas e desaparecendo em obediência ao prazer de consumir.
Para bem celebrar o Natal é preciso saber que no mundo coexistem trigo e joio, divino e profano, o Reino de Deus (Jesus, José, Maria, Pastores, Magos, Anjos, a Estrela) e o reino do opressor (Herodes). É neste cenário vital que manifestamos nossa fé, que superamos nossos medos, que reavivamos nossa esperança e firmamos nosso compromisso com Jesus e o seu Reino.
Quem não celebra o Espírito do Natal de Jesus, celebra o espírito do natal de Herodes que, por medo de perder o exercício do poder extermina crianças, dissemina o ódio, favorece a discriminação e assassinatos de jovens negros, indígenas, moradores de comunidades pobres de periferia, vitimados por balas perdidas oriundas de fuzis manejados por membros de polícia, de traficantes ou de milícias.
Deus é sempre surpreendente. Se um dia mandou um menino (Davi) desarmado para enfrentar o gigante Golias, agora um menino – filho de sua estirpe -, menino frágil, pobre e recém-nascido, deitado numa manjedoura e sob o olhar terno da Mãe, vem ao mundo para pregar e implantar um novo Reino, radicalmente oposto ao reinado dos Herodes de todos os tempos. Menino que nasce é esperança que se renova.
Celebrar o natal significa destacar que a esperança anunciada pelo Anjo aos pastores requer compromisso com a mudança desse estado de coisas, e essa mudança vem dos excluídos, dos oprimidos, dos rejeitados, do presépio… e não do palácio real.
Celebrar o Natal significa superar o medo pela fé, assim como o fez Abraão que apostou toda sua vida andando como quem se sente na palma das mãos de Deus.
Celebrar o Natal é um voltar a ser criança que se joga confiante nas mãos do Pai e dorme feliz e seguro no colo e sob o olhar atento e terno da mãe.
Nessa atitude de absoluta confiança, nos juntamos aos Anjos e Pastores que cantavam louvores a Deus dizendo: “Glória a Deus no mais alto dos céus, e paz na terra aos homens por Ele amados” (Lucas 2,14).
Então, não tenhais medo! Nasceu-nos um menino. Deus-menino se faz Emanuel, o Deus-conosco. Por isso, alegrai-vos. Como é bom saber que um dia seremos julgados por um Deus-que-se-fez-menino e que gosta de brincar, e que só quer amar e ser amado.
Jesus no presépio nos diz: “Não tenha medo de minha pequenez, mas nela contemple a sua própria grandeza” (Papa Francisco).
José Archângelo Depizzol
25/12/2021
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