Sob o Olhar da Mãe Conceição Aparecida de Guadalupe PARTE 3
No encontro das três mulheres, das três Marias, tantas histórias, tantos ensinamentos, tanta aprendizagem dessas protagonistas anônimas que, em seu sufocado silêncio, clamam e denunciam o desvio de rota assumido pela humanidade.
É preciso antecipar e dizer que as curvas (de um rio, de uma estrada, de uma vida) não são sinônimos de desvios. O desvio é a mudança de direção que altera o destino. A curva é a sequência de um mesmo caminho descortinando paisagens diferentes e vendo a mesma realidade sob um novo olhar.
O olhar atento na pequena imagem de Aparecida, retirada do lodo histórico da exploração humana, da escravidão e da morte de tantos irmãos negros escravizados, manifesta o tríplice crime de discriminação ainda hoje vigente em nosso meio e devidamente percebido na pequena imagem de Aparecida: pequena, mulher e negra.
Numa sociedade que só reconhece o valor do imponente, do gigantesco, do suntuoso, do extraordinário, do rico, do requinte, da pompa, do distinto e nobre, do luminoso, eis que surge uma pequena, quebrada e enlodaçada imagem, sem nenhum atrativo estético, recolhida e acolhida por pobres pescadores. E, ao santuário que tem a guarda dessa pequena imagem acorrem milhões de peregrinos todos os anos.
À discriminação ao pequeno, Deus faz uso de instrumentos tão frágeis para “[…] derrubar do trono os poderosos e elevar os humildes” (Lucas 1, 51-52). Na pequena imagem, Deus nos faz ver o desvio de rota da arrogância e da prepotência humanas, e condena qualquer tipo de discriminação e, mais especificamente, a aporofobia.
O pequeno ícone é, também, imagem de mulher, de mãe. Quanta discriminação a tantos seres humanos por sua condição de gênero. O ser mulher, dádiva divina para a humanidade, tornou-se, para os humanos (ou inumanos), sinônimo de ser menos, de valer menos, de calar, de acatar e de obedecer.
Ressoam, na voz da mãe-mulher-pequena-pobre de Aparecida, a súplica, o desabafo e a gratidão a Deus, ao proclamar: “Minha alma proclama a grandeza do Senhor, e meu espírito se alegra em Deus, meu salvador, porque olhou para a humilhação de sua serva” (Lucas 1, 46-48).
A justaposição da tríplice discriminação se torna completa no fato de a imagem, além de ser simples e pobre (aporofobia), ser imagem de mulher-mãe (discriminação de gênero), e ser, também, imagem de mulher-negra (discriminação racial).
Com respeito e reverência a todas as mulheres em sua luta, em seu ser, em sua dignidade. As curvas do rio, as curvas da vida, as curvas da história pessoal, não são desvios de rotas, mas significam um novo olhar ao próprio rio, à própria vida, ao próprio caminho, à própria história.
José Archângelo Depizzol
18/12/2021
Deixe um comentário