Hoje – quarta-feira de cinzas – dá-se o início do período da quaresma de 2024 e também o período em que a Igreja no Brasil promove a Campanha da Fraternidade. Não são dois eventos. Trata-se de um único evento com dois olhares. E não são olhares paralelos e/ou divergentes, mas são olhares que se interpenetram e se complementam.
A liturgia do dia nos oferece a seguinte sequência de textos:
Leituras:
Joel 2,12-18
Sl 50(51),3-4.5-6a.12-13.14 e 17 (R. cf. 3a)
2Cor 5,20-6,2
Mt 6,1-6.16-18
Na primeira leitura o profeta Joel observa o desânimo de seu povo diante da situação de carestia provocada por uma invasão de gafanhotos (Joel 1, 2 – 2, 10). Até o culto no templo tinha cessado.
Algumas semelhanças com os nossos dias:
- O povo hoje está desanimado. Já perdeu toda esperança. Não acredita mais nos seus governantes.
- A praga de gafanhotos de hoje usa terno e gravata. Habita em palácios públicos. Ganham altos salários. Fazem negociações e acordos. Também muitos casos de negociatas. Atacam e saqueiam cofres e bens públicos. Destroem alimentos e recursos naturais de uso coletivo para todo o povo.
- O povo passa fome. Filas de filhos de Deus disputando em lixões ossos de animais abatidos e consumidos por uma pequena minoria. Gafanhotos obesos e bem alimentados, e o povo passando fome ou pagando muito caro por uma comida mínima.
- Líderes religiosos comprometidos com gafanhotos devastadores da mesa do povo. Falta o culto, o cultivo, falta o pão que se parte e se reparte na mesa de irmãos. “Esse povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. Não adianta nada eles me prestarem esse culto […]” (Mateus 15, 8-9).
Diante dessa situação, o apelo de Deus na voz do profeta: “Agora, diz o Senhor,
voltai para mim com todo o vosso coração […]” (Joel 2,12).
Algumas semelhanças com os nossos dias:
- Ouvimos muitas vozes. Redes sociais, TV, Emissoras de Rádio, tantas agências de notícias e empresas especializadas na produção de Fake News. Somos bombardeados por tantas vozes.
- Tantas opiniões. Passamos em média quase três horas diárias diante do celular ouvindo opiniões de pessoas que não tem o menor compromisso com a nossa vida e a vida de nosso povo.
- Viramos as costas a Deus e ao povo e nos curvamos diante de Youtubers, Influenciadores digitais, disseminadores de ideologias de todo tipo.
Diante dessa situação, ouçamos o apelo de Deus na voz do profeta: “Rasgai o coração, e não as vestes; e voltai para o Senhor, vosso Deus […]” (Joel 2,13).
Rasgai o coração e não as vestes, isto é, voltem para o Senhor de corpo e alma, voltem para o Senhor de coração e não de aparências. Deixem de seguir vozes estranhas, deixem de seguir ideologias de morte, mas “Ouvi a minha voz, assim serei o vosso Deus, e vós sereis o meu povo; e segui adiante por todo o caminho que eu vos indicar para serdes felizes” (Jeremias 7,23).
Também Jesus assim recomendou de forma muito clara: “Minhas ovelhas ouvem a minha voz, eu as conheço, e elas me seguem. Eu dou a elas a vida eterna, e elas nunca morrerão. Ninguém vai arrancá-las da minha mão. O Pai, que tudo entregou a mim, é maior do que todos. Ninguém pode arrancar coisa alguma da mão do Pai. O Pai e eu somos um” (João 10, 27 – 30).
É hora de Conversão. Mudar o rumo. Mudar o olhar. Mudar a direção. Se estamos virados de costas para Deus, agora é o tempo favorável. Agora é o tempo de voltar para Deus. Ele é “benigno e compassivo, paciente e cheio de misericórdia” (Joel 2,13).
Na segunda leitura, Paulo dá ainda maior ênfase a esse aspecto. Não virem as costas para Deus, mas “Em nome de Cristo, nós vos suplicamos: deixai-vos reconciliar com Deus” (2 Cor 5, 20). É hora de reconhecer o imenso amor de Deus Pai e de seu Filho Jesus Cristo que se imolou para nosso perdão.
Assim, confiantes no amor de Deus, poderemos implorar em oração: “Dai-me de novo a alegria de ser salvo e confirmai-me com espírito generoso” (Salmo 50 (51), 14).
No Evangelho, Jesus retoma o espírito das palavras do Profeta Joel: “rasgai o vosso coração e não as vossas vestes”. O retorno a Deus deve ser “de coração” e não de aparências.
Quais são as motivações que nos levam a determinadas práticas religiosas? Prestem atenção e guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens para serem notados e elogiados por eles (Cf. Mateus 6, 1-6).
Se buscamos o aplauso dos homens, os holofotes, a notoriedade, a vangloria, já recebemos a nossa recompensa. Deus é simples. Deus é humilde, como o recém-nascido na gruta de Belém, como o operário de Nazaré e como o crucificado do Gólgota.
Fora dessa intenção de “rasgar o coração” campeia a hipocrisia dos fariseus, tão combatida por Jesus.
Rasgar o coração significa viver de forma integral, verdadeira e plena essa relação do ser humano:
- Com os irmãos e sobretudo com os irmãos pobres (a esmola): “Por isso, quando deres esmola, não toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem elogiados pelos homens” (Mateus 6,2). A reta intenção deve ser a solidariedade e a fraternidade, a compaixão e a partilha, e não a vanglória e auto promoção.
- Com Deus (a oração): A oração é uma forma de relacionar-se com Deus, pelo diálogo sincero e fiel (Mateus 6, 5-6). Deve ser espontânea e profunda comunhão pessoal com Deus, para nosso benefício. Ele sabe daquilo de que necessitamos. A oração alimenta nossa fé e nos insere na missão. “Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam de rezar em pé, nas sinagogas e nas esquinas das praças,
para serem vistos pelos homens” (Mateus 6,5). - Conosco (Jejum): O jejum é a forma de nos relacionarmos com a nossa própria pessoa, nosso corpo, nossos instintos e controlando nossos desejos e paixões. “Quando jejuardes, não fiqueis com o rosto triste como os hipócritas. Eles desfiguram o rosto, para que os homens vejam que estão jejuando” (Mateus 6,16).
E este é o tempo favorável. Este é o dia da salvação (2 Cor 6,2).
Aproveitemos esse tempo favorável para nosso retorno ao Amor de Deus.
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Pe. Junior Vasconcelos do Amaral
José Archângelo Depizzol
14/02/2024
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