Comunicação Compassiva, Empática e Não Violenta na Família

Escrito por Jotarchangelo

INTRODUÇÃO

O pôr do sol já desenhava aquele espetáculo diário de rara beleza na aquarela azul da abóboda celestial divinamente pintado numa harmônica e encantadora paleta de cores. Olhar o espetáculo do pôr do sol significava, necessariamente, extasiar-se diante do Mistério, diante da Beleza, diante do Universo, diante da Vida, diante do Criador, diante das criaturas todas.

Foi nesse cenário de êxtase diante do Mistério – num final de tarde de sábado – que vi meus pais, já idosos e tão sábios, reunindo seus amados filhos e netos para compartilhar aquele que pode ser considerado o maior segredo para se manter uma família sempre unida, harmoniosa e feliz: a comunicação compassiva, empática e não violenta.

Minha mãe, com toda sua sabedoria e simplicidade, arrematou: “Ao longo dos anos, aprendi que o verdadeiro entendimento e o amor incondicional se manifestam através de palavras cuidadosas e intenções genuínas. Quem ama cuida, e cuida principalmente das palavras”.

Neste artigo, exploraremos os princípios da Comunicação Não Violenta, propostos pelo psicólogo Marshall Rosenberg, e outros textos disponíveis, a fim de promover uma comunicação saudável, compassiva e amorosa em família.

O que é comunicação não violenta?

A Comunicação Não Violenta (CNV) é uma abordagem da comunicação, que compreende as habilidades de falar e ouvir, que leva os indivíduos a se entregarem de coração, possibilitando a conexão consigo mesmos e com os outros, permitindo assim que a compaixão se desenvolva. Trata-se, então, de um processo de comunicação capaz de permitir que nos expressemos de maneira autêntica e, ao mesmo tempo, ouvir os outros com empatia, carinho, compaixão e compreensão. Muitos problemas de relacionamentos em casa ocorrem não pelo que se fala, mas sim pela maneira como se fala.

Uma fala branda, carinhosa, serena e amorosa atrai e desenvolve atitudes de brandura, de carinho, de amor e de serenidade. E isso só se torna possível por meio da escuta ativa e profunda, da escuta atenta e capaz de produzir interações que ocorram com mais respeito, atenção e empatia. E, assim, as famílias se tornam mais felizes em seus relacionamentos.

A CNV se baseia em quatro componentes principais:

a) A observação imparcial dos fatos, ou seja, tanto no falar quanto no ouvir, se deve estar atento aos sentimentos do outro. Observar com atenção, demonstrando interesse e afeto, sem jamais julgar o que a pessoa está dizendo ou, ainda mais importante, sem jamais julgar a pessoa pelo que ela está falando. Simplesmente ouvir com atenção e cuidado porque o outro é importante e significativo para mim.

b) A identificação dos sentimentos envolvidos, ou seja, por trás de uma fala sempre tem um sentimento. Sem julgar, sem criticar, sem condenar, mas em atitude de acolhida se deve sempre procurar identificar e entender os sentimentos do outro.

c) O reconhecimento das necessidades subjacentes: Todo sentimento está atrelado a uma necessidade. Rosemberg cita o exemplo de uma mãe que fica irritada com seu filho adolescente que deixa suas meias sujas pelos cantos da sala. O sentimento é de irritação, pois ela sente a necessidade de um ambiente organizado no espaço comum da casa.

d) A formulação de pedidos claros e factíveis. Trata-se do pedido explícito. No exemplo acima, a mãe poderia terminar seu processo comunicativo com o filho adolescente dizendo: “poderia colocar suas meias sujas dentro da máquina de lavar”?

A CNV busca estabelecer uma conexão genuína entre os indivíduos, buscando a resolução pacífica de conflitos e o fortalecimento dos relacionamentos, pois ela nos ajuda “[…] a nos ligarmos uns aos outros e a nós mesmos, possibilitando que nossa compaixão natural floresça. Ela nos guia no processo de reformular a maneira pela qual nos expressamos e escutamos os outros, mediante a concentração em quatro áreas: o que observamos, o que sentimos, do que necessitamos, e o que pedimos para enriquecer nossa vida. A CNV promove maior profundidade no escutar, fomenta o respeito e a empatia e provoca o desejo mútuo de nos entregarmos de coração” (MARSHALL ROSEMBERG).

A comunicação de coração a coração

Na família, é essencial que pratiquemos a comunicação de coração a coração. Isso significa que nos abrimos para compartilhar nossos sentimentos e necessidades mais profundos, ao mesmo tempo em que escutamos atentamente os outros sem julgamentos.

Quando nos comunicamos de coração a coração, estabelecemos uma atmosfera de confiança e empatia, permitindo que todos se sintam compreendidos e valorizados. “Quando nos entregamos de coração, nossos atos brotam da alegria que surge e resplandece sempre que enriquecemos de boa vontade a vida de outra pessoa. Isso beneficia tanto quem doa quanto quem recebe” (MARSHALL ROSEMBERG).

E isso é prova de amor, de respeito, de carinho e de afeto. Só quem ama consegue falar “de coração a coração”.

O que impede a comunicação não violenta?

Muitas vezes, encontramos barreiras que nos impedem de praticar a comunicação não violenta em família. Essas barreiras podem incluir expectativas irrealistas, críticas, julgamentos e a falta de consciência de nossas próprias emoções e necessidades. É importante reconhecer e superar esses obstáculos, cultivando a consciência de si mesmo e a disposição em ouvir verdadeiramente o que o outro tem a dizer.

Apresentamos a seguir uma pequena lista de formas que podem favorecer a comunicação não violenta (empática) entre pais e filhos:

a) Olhos nos olhos: conversar olhando para os olhos do filho. Isso revela atitude de atenção, de respeito, de presença plena e de interesse;

b) Colocar-se no mesmo nível: Se a criança for pequena é importante que o adulto agache ou sente para ficar no mesmo nível visual do olhar da criança. Também é importante que se use linguagem acessível. A comunicação com a criança, com o adolescente, com o jovem ou com o adulto, com o idoso deve ser feita com linguagem própria de seu universo (criança, adolescente, jovem, adulto, idoso…).

c) Reconhecer e validar as emoções do outro: Jamais menosprezar os sentimentos e as emoções do outro com expressões que diminuam o sentimento. Expressões como “Isso não é nada”, ou “isso passa”, ou “isso é falta do que fazer”, ou ainda “isso é falta de Deus” podem ser muito angustiantes e prejudiciais para o desenvolvimento psíquico de quem escuta.

Expressões mais recomendadas seriam: “Sim! Sei como você se sente! Também me senti assim quando tinha a sua idade. Vamos conversar”. Nesse tipo de expressão ocorrem vários processos de empatia como a validação dos sentimentos (“Sim!”), a criação de um universo comum (“Sei como você se sente… também senti assim…”), e o convite para aumentar a conexão entre ambos (“Vamos conversar”);

d) Nada de olhar o celular: O interlocutor precisa ter a percepção que os pais estão aí, presentes, plenamente. Ele precisa perceber que toda a atenção dos pais está direcionada a ele e não à mensagem do celular. Atender uma chamada ao telefone ou responder uma mensagem é elemento bloqueador do processo de comunicação não violenta.

e) Pais também são humanos. Pais perfeitos não existem. Todo mundo erra. Tentar mostrar-se o super-herói, o super Pai que jamais erra é forte impeditivo para a comunicação empática. Então, admitamos: “Filho, você erra… e eu também… mas, vamos juntos tentando melhorar a cada dia”.

f) Escutar sem interromper: Deixar que a pessoa se expresse com suas palavras, com seu jeito de falar, com o tempo que ela achar necessário. Interromper a fala do outro significa emudecê-lo. Pedir pressa no relato do outro significa a indisposição em ouvi-lo.

g) Opinião: valorizar a opinião de quem está falando: “E você, o que acha disso”? Nesse caso, o interlocutor sente-se ouvido, acolhido e valorizado.

h) Jamais mentir e tampouco mascarar os próprios sentimentos.

A escuta atenta, amorosa e despida de qualquer julgamento

Um dos pilares da comunicação não violenta é a escuta atenta e amorosa. Quando praticamos essa forma de escuta, nos abrimos para compreender os sentimentos e as necessidades dos outros sem emitir julgamentos. A escuta atenta permite que os membros da família se sintam valorizados e compreendidos, fortalecendo os laços afetivos entre eles.

Empatia e expressão de sentimentos em família

A empatia desempenha um papel fundamental na comunicação não violenta em família. Ao nos colocarmos no lugar dos outros, somos capazes de compreender seus sentimentos e necessidades, mesmo que possam ser diferentes dos nossos. Ao expressarmos nossos próprios sentimentos de maneira autêntica e não acusatória, criamos um espaço seguro para que todos possam se expressar livremente.

Conexão consigo mesmo e com a alteridade

Para estabelecer uma comunicação compassiva, é necessário cultivar uma conexão profunda consigo mesmo e com a alteridade. Isso implica em estar consciente de nossos próprios pensamentos, sentimentos e necessidades, ao mesmo tempo em que nos abrimos para entender e valorizar as perspectivas e experiências dos outros. A conexão consigo mesmo e com a alteridade fortalece os laços familiares, promovendo uma maior compreensão e aceitação mútua.

A Apreciação e elogios na comunicação não violenta

A apreciação e os elogios são ferramentas poderosas na comunicação não violenta. Ao expressarmos gratidão e reconhecimento pelos outros membros da família, fortalecemos sua autoestima e criamos um ambiente positivo e encorajador. A apreciação sincera e genuína nos lembra de valorizar as qualidades e contribuições de cada pessoa, promovendo um clima de amor e harmonia familiar.

Recomendações Finais

Tudo isto posto, vejo no retrovisor da vida, os meus pais – idosos e sábios – que, diante do Mistério, silenciam e com voz pausada balbuciam algumas recomendações e conselhos finais para o cultivo da comunicação compassiva, empática e não violenta em nossa família:

  1. Pratique a escuta atenta e amorosa, dando espaço para que cada membro da família se sinta ouvido, compreendido e amado.
  2. Esteja consciente de suas próprias emoções e necessidades (O que é que está vivo em você neste momento?) buscando expressá-las de forma clara e respeitosa.
  3. Cultive a empatia, colocando-se no lugar dos outros e buscando compreender suas perspectivas e sentimentos.
  4. Evite críticas e julgamentos, optando por abordar os problemas e desafios de maneira construtiva, compassiva e respeitosa.
  5. Pratique a apreciação e os elogios, valorizando as qualidades e contribuições de cada membro da família.
  6. Lembre-se de que a comunicação compassiva é um processo contínuo de aprendizado e crescimento. Esteja aberto para aprender e se adaptar às necessidades e mudanças de sua família ao longo do tempo.

Ao seguir essas recomendações e cultivar a comunicação compassiva, empática e não violenta, nossa família estará fortalecida e preparada para enfrentar os desafios da vida juntos, construindo laços duradouros e amorosos. Que possamos praticar a CNV diariamente, lembrando sempre do poder que nossas palavras têm em moldar a qualidade de nossos relacionamentos familiares

José Archângelo Depizzol

12/06/2023

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