Yanomamis: Coquetel de indiferença, de perversidade e de políticas anti-indigenistas.
Nos últimos dias, imagens estarrecedoras viralizaram nas mídias sociais e, também, nas grandes empresas de comunicação do mundo inteiro.
São faces de crianças, são corpos de jovens, de adultos e de idosos que, em pele e osso, resistem, persistem e insistem em viver, não obstante a violência da fome, a profunda desnutrição, o envenenamento das águas de seus rios e igarapés, e os violentos ataques armados perpetrados por extrativistas, sobretudo garimpeiros, e que já vitimaram inúmeros yanomamis. Num desses recentes ataques, além da violência contra pessoas indefesas, foi incendiado o Posto de Saúde deixando toda a comunidade sem assistência médica e sem medicamentos.
Luis Miguel Modino Martínez, em artigo publicado pela Unisinos (24/01/2023), cita Dom Roque Paloschi, presidente do Conselho Indegenista Missionário – CIMI – ao afirmar que “esta é uma tragédia anunciada”, pois “não é de hoje que as denúncias têm sido feitas em âmbito do país, Ministério Público, Polícia Federal, tudo quanto é órgão governamental tem sido feito essas denúncias, mas infelizmente nós chegamos aonde chegamos porque os invasores e também aqueles que garantem a presença dos invasores lá, se sentiam sempre autorizados pelas falas do senhor presidente que deixou o cargo há pouco, e também pela sua equipe de ministros […]”.
Segundo Dom Roque Paloschi é preciso que superemos o preconceito e a discriminação contra os Yanomamis (e os povos indígenas em geral), pois “[…] os povos yanomamis vivem nessa região há mais de 12 mil anos segundo os estudos, mas nós, porque armamos um arcabouço jurídico, achamos que temos o direito de tirar os únicos direitos que eles têm, os seus territórios, as suas culturas, as suas espiritualidades e o seu modo de viver”.
E assim os Yanomamis, infectados por doenças levadas por garimpeiros, madeireiros e outros agentes extrativistas, contaminados pelo mercúrio em excesso nas águas de seus rios e igarapés, doentes, abandonados pelo governo, atacados e agredidos […] resistem, enquanto podem, a um projeto político de extinção da etnia, à proposta política de extinção do povo yanomami.
As imagens são impactantes. Cenário de fome e de abandono. Cenário de holocausto. Cenário de descaso com a vida humana. Cenário de um povo condenado à morte e à extinção. Nunca é exagerado repetir o jargão: “vidas indígenas importam”. Essas imagens trouxeram à memória tragédias da violência da fome no continente africano, em especial as imagens do povo etíope, tão castigado pela fome, pela violência e pela guerra.
Doutor André Siqueira, do Instituto Nacional de Infectologia da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) foi enviado pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) à TI Yanomami, polo-base de Surucucu (em Roraima) e, comovido, disse à BBC News que se deparou com casos de desnutrição extrema em famílias inteiras, classificando a situação dos Yanomamis como catastrófica e desastrosa, “a pior situação humanitária e de saúde” que já viu em toda sua.
Instagram/Urihi Associação Yanomami –
Fonte: Agência Câmara de Notícias
Em entrevista concedida à Globonews, Ivo Cípio, advogado do Conselho Indígena de Roraima (CIRR) afirmou que as crianças estão sem assistência médica e sem o acompanhamento da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) e arrematou que “são quase 10 mil crianças yanomamis sem assistência médica, sem acompanhamento da Sesai por falta de recursos e de equipe médica”.
Quais são as razões que levaram a essa triste realidade?
Entre tantos outros fatores podem ser destacados os seguintes:
a) Invasão de grupos extrativistas, em especial de grupos ligados ao garimpo.
Depois da nítida e expressa declaração do ex-ministro de meio ambiente propondo aproveitar o momento em que as atenções da mídia e da população estavam focadas na pandemia e, assim, desapercebidamente “passar a boiada” com a adoção de medidas legais que facilitassem o agronegócio e o extrativismo nos biomas da Amazônia e do cerrado, garimpeiros se sentiram autorizados à prática ilegal de garimpagem em terras indígenas. E, pior ainda, fazendo uso de armas e procedimentos de morte para as populações indígenas.
É importante ressaltar que a dramática situação dos Yanomamis chamou a atenção da mídia e da imprensa nacional e internacional, mas esse drama não é exclusividade dos yanomamis: só entre os indígenas mundurucu e kayapó o garimpo ilegal põe em risco mais de 13 mil indígenas.
Favorecidos pelo afrouxamento da legislação ambiental, favorecidos pelo sucateamento da vigilância ambiental, favorecidos pela impunidade de seus crimes e incentivados por expressões e falas de importantes autoridades do executivo federal, o garimpo ilegal cresceu exponencialmente em terras indígenas deixando um rastro de destruição, de sangue e de morte.
Além do uso da violência mediante uso de armas de fogo e, ainda a contaminação das águas e das florestas com o mercúrio, garimpeiros abrem enormes bacias para limpar o ouro extraído dos rios. Essas bacias com água parada tornam-se habitat propício para a criação do mosquito que vai gerar uma série de problemas para a saúde da população (Deng, malária e outras).
A atividade do garimpo ilegal afeta também na desnutrição dos yanomamis tendo em vista que:
- O uso de mercúrio contamina as águas e mata os peixes (principal fonte de alimentação indígena);
- O barulho ininterrupto (dia e noite) de motores e máquinas afugenta os animais da floresta, objeto de caça e fonte de proteínas na alimentação indígena.
De acordo com o padre Vanildo Pereira, superior da comunidade dos jesuítas em Manaus, “no território Munduruku (sudoeste do Estado do Pará), por exemplo, o garimpo ilegal gera uma exposição à contaminação de cianeto e de metilmercúrio não só de indígenas como da própria população urbana da bacia do rio Tapajós. Ambas as substâncias contaminam os rios, o lençol freático, os peixes e os humanos que se alimentam destes peixes. Os danos causados pelo efeito cumulativo do mercúrio podem ser irreversíveis, afetando, principalmente, o sistema nervoso central. Um estudo realizado pela Fiocruz em parceria com o WWF (World Wide Fund for Nature) demonstrou que a taxa de metilmercúrio encontrada entre os Mundurukué de quatro a 18 vezes maior do que os limites considerados seguros”. https://www.ihu.unisinos.br/609839-os-povos-indigenas-sao-sementes-de-vida-resistencia-e-esperanca
b) Descaso do governo federal e adoção de políticas higienistas e genocidas
A adoção de modelos de política traz sempre consequências práticas e drásticas (boas ou más) na vida de um povo. Infelizmente, a adoção da política ambiental e indigenista afetou de forma criminosa a vida do povo yanomami.
A prática da violência armada, o descaso da saúde, a permissividade de atividades contaminadoras das águas pelo uso de mercúrio por garimpeiros ilegais, a suspensão do fornecimento de água para os yanomamis em terras com águas declaradamente contaminadas, o sucateamento dos postos de saúde e da assistência sanitária, levaram à situação insustentável do povo yanomami que perece a cada dia. Recentemente o Ministério da Saúde decretou estado de emergência para combater a falta de assistência sanitária. A Polícia Federal vai apurar crimes de genocídio e ambiental
c) Casos de corrupção com desvio de recursos da saúde indígena.
Segundo o Correio Brasiliense, a situação crítica dos yanomamis está associada a um esquema de corrupção de compra e fornecimento de medicamentos, que deveriam ser entregues aos povos nativos. A afirmação é dos procuradores federais Alisson Marugal e Matheus de Andrade Bueno, do Ministério Público de Roraima (MP-RR). https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64365655
Tal afirmação é muito grave e precisa ser devidamente esclarecida e, caso seja confirmada, que seus responsáveis respondam perante a lei.
José Archângelo Depizzol
29/01/2023
VEJA FOTOS IMPRESSIONANTES
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https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64365655
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64388813
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