Irmã Maria de Coppi
Muitos são os testemunhos de autêntico seguimento de Jesus Cristo e que, com absoluta fidelidade, chegam ao ponto de derramar o seu sangue para confirmar o que sempre anunciaram e pregaram: o incondicional Amor de Deus para os seus filhos mais sofridos, indefesos e abandonados.
Essa foi a trajetória, esse foi o legado deixado recentemente (dia 06/09/2022) pela Irmã Maria de Coppi, missionária comboniana de origem italiana que serviu ao povo de Moçambique por 59 anos.
Chegou a Moçambique pela primeira vez em 1963, depois de uma longa viagem de navio. Moçambique era, nessa ocasião, colônia portuguesa. E a Irmã Maria conviveu com situações de guerra desde sua chegada às terras africanas: primeiro, com a Guerra da Independência de Moçambique que terminou num acordo firmado em 1975; segundo, com a Guerra Civil Moçambicana que durou até 1992, razão pela qual é conhecida também como a Guerra dos Dezesseis Anos.
Irmã Maria viveu, com o povo Moçambicano, a atrocidade dessas duas guerras. O mundo não deu visibilidade ao sofrimento e ao elevado número de vítimas dessas guerras, pois eram guerras secundárias no contexto da Guerra Fria (processo semelhante ocorreu em Angola, também no continente africano e ex-colônia portuguesa).
Irmã Maria viu e sofreu com mais de um milhão de mortos diretos em combate na Guerra dos Dezesseis Anos, e viu e sofreu com mais cinco milhões de deslocados por causa da mesma guerra.
Irmã Maria viu e sofreu por conta de cruéis crises de fome perpetrada no país em decorrência da guerra, da seca, da infraestrutura mínima totalmente destruída.
Irmã Maria viu e sofreu com milhares (talvez milhões) de vítimas fatais ou de amputações provocadas por minas deixadas em campo por combatentes dessas insanas guerras.
Irmã Maria viu, no povo moçambicano, o rosto sofrido, chagado, torturado e morto de Jesus na Cruz.
Se por nosso amor Jesus se entregou ao sofrimento e à morte, também a Irmã Maria tomou a firme decisão de se entregar de corpo e alma ao sofrido povo de Moçambique. Foi nesse contexto que ela adquiriu a cidadania moçambicana.
Em Moçambique, trabalhou na pastoral paroquial e na formação das mulheres. Dedicou toda sua vida aos mais pobres e abandonados trabalhando nas missões de Anchillo, Meconta, Alua, Balama e Chipene (onde foi assassinada).
Era muito acolhedora, receptiva e sabia ouvir. Ninguém escuta os pobres, os negros, os africanos e, principalmente, ninguém escuta a mulher africana. Irmã Maria dizia: “Procuro estar aberta às pessoas, especialmente ouvindo-as. Apesar da pobreza material, ouvir os outros e reconhecer sua dignidade continua a ser um grande dom”.
A missão Chipene faz parte da diocese de Nacala, no norte do país (região com muitas riquezas naturais e com um povo extremamente pobre), e faz fronteira com a região de Cabo Delgado. O bispo da diocese de Cachoeiro de Itapemirim (ES), Dom Luiz Fernando Lisboa, era bispo da diocese de Pemba, na região de Cabo Delgado, antes de ser transferido para a diocese de Cachoeiro do Itapemirim, no estado do Espírito Santo. Dom Luiz Fernando Lisboa, procurou chamar a atenção da igreja e do mundo para a grave crise humanitária que vive a região de Cabo Delgado devido à violência provocada por vários grupos jihadistas e outros terroristas que o exército de Moçambique ainda não conseguiu controlar.
Segundo a Organização Internacional de Ajuda Humanitária Médicos Sem Fronteiras essa instabilidade na região de Cabo Delgado já provocou o deslocamento de mais de 800 mil pessoas no período de 2017 a 2022.
Com a chegada do exército na região de Cabo Delgado, muitos terroristas atravessaram o rio Lúrio e se aproximaram da missão de Chipene – uma região sem sistema de defesa para esse tipo de ato terrorista.
Ao ser questionada para deixar a missão, Irmã Maria respondeu, em mensagem de voz para sua sobrinha, horas antes de seu assassinato: “Não poderia viver em outro lugar”. Na mesma mensagem de voz, Irmã Maria disse: “Somos os únicos missionários que restam”.
Mártires que tombam em Missão. Mártires que derramam o próprio sangue. Sangue que gera e regenera vidas. Vidas que sempre importam.
Seu corpo repousa no cemitério de Carapira, norte de Moçambique, juntamente com outros Missionários Combonianos que de diferentes formas e em diferentes épocas ou contextos, deram suas vidas pela causa do Reino de Deus e em sinal de amor, solidariedade e fraternidade pelos mais pobres e indefesos povos africanos.
Irmã Maria. Descanse em Paz. E interceda por todos nós.
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