Por Maria, com Maria e como Maria: Muito além de uma celebração dogmática e/ou doutrinal.
O que significa celebrar a “Assunção de Maria” ao céu?
Não vou me ater à busca de explicações racionais, filosóficas e teológicas, até mesmo porque o campo do espiritual, o campo da espiritualidade, o campo do sagrado é regido também por outras dimensões do humano.
Nessa página procurei condensar apenas três (entre tantas outras) imagens que os textos bíblicos selecionados para esta solenidade podem sugerir. São imagens e ideias que podem nos ajudar a percorrer o itinerário da fé nos estreitos caminhos de seguimento de Jesus na história e nos dramas dos homens.
Leituras:
Apocalipse 11,9; 12,1-10
Primeira Carta aos Coríntios 15,20-27
Lucas 1, 39-56
- Primeira Imagem: No mistério da Anunciação do Anjo Gabriel (Lucas 1, 26-45), Maria acolheu a Palavra em seu ventre e “partiu apressadamente” para servir a Isabel. Nesse primeiro momento, Maria acolhe Jesus e o leva pelos caminhos da terra, pelos destinos humanos marcados por tantos dramas, sacrifícios, dores, lágrimas, mas, marcado também pela esperança de futuro melhor para si e para seus descendentes. Agora, na festa da Assunção, é Jesus que leva sua mãe pelos caminhos celestes, e a “Serva do Senhor” (Lucas 1,38) é elevada e glorificada (Lucas 1,46-48), pois “Deus derruba do trono os poderosos e eleva os humildes” (Lucas 1,52)
Jesus veio cumprir a missão que o Pai lhe confiara: anunciar e implantar o Reino de Deus entre os homens. Reino de paz e não de guerras, Reino de vida e não de morte, Reino de pão, de trabalho, de saúde, de educação, e não um reino de fome, de desemprego, de armas e de tantas outras formas de discriminação, de exploração e de morte.
Todos nós, individualmente e como igreja, somos convidados a percorrer esse itinerário na fé: Acolher a Palavra (Jesus), partir pelos caminhos da terra (não para dominar e explorar, mas para servir) e sermos conduzidos por Jesus ao abraço terno e eterno do Pai. Esse itinerário não é fácil. É caminho estreito. Passa-se necessariamente pelo Calvário e pela Cruz.
Segunda Imagem: Com Maria, cantar a Canção da Vida.
No Cântico de Maria, vê-se claramente o programa do Reino de Deus (que Jesus veio anunciar e implantar) e a incansável guerra ao mal (Lucas 1,51-55). O dragão, o perseguidor, tudo fará para destruir o fruto do ventre da mulher (Maria, a Igreja, todos nós). O dragão, de ontem e de hoje, disseminará discórdia na igreja e na sociedade, retirará o pão da boca de famintos, aumentará tributos contra os pobres, sucateará direitos essências como a educação, a saúde, a alimentação, a moradia e o trabalho digno. O dragão não quer a vida que nasce do parto da mulher.
Mas, o dragão não terá a última palavra, pois o poder de Deus está em ação para proteger Seu Filho e todos os seus filhos e filhas. Festejar a Assunção da Mãe de Jesus é reconhecer que a Nova Sociedade (o Reino de Deus) é gerada em meio às dores como as da mulher em trabalho de parto. Celebrar a Assunção de Maria é reconhecer que no seguimento de Jesus nasce a nova humanidade, o novo modelo de relações entre os homens, pois Jesus é o “novo Adão” (1 Cor 15, 20-27).
Terceira Imagem: Como Maria, descobrir e cantar o olhar de Deus.
Em seu cântico, Maria diz que “Deus olhou para a humilhação de Sua serva” (Lucas 1,48) e, ainda, “porque o poderoso realizou grandes obras em meu favor…”(Lucas 1,49). Maria não se exalta. Reconhece sua pequenez. Maria exalta a grandeza de Deus que vê a pequenez de sua filha.
O olhar de Deus, cantado por Maria, não é o olhar do Juiz autoritário e condenador, mas é um olhar sensível, um olhar de ternura, um olhar de afeto, um olhar paternal, um olhar atento e cativado pela pequenez de Maria. É um olhar de Amor e compaixão de um Deus que contempla amorosamente sem julgar, sem dominar, sem impor, sem nada cobrar.
Assim, celebrar a Assunção de Maria é mais do que recordar uma doutrina, um dogma ou, mesmo, uma tradição. Celebrar a Assunção de Maria significa:
a) Proclamar, nos caminhos dos homens (com todos seus dramas e sofrimentos) o Caminho, o itinerário de Jesus que nos conduz ao encontro amoroso do Pai celeste. Assim Jesus fez com Maria e assim o fará com todos nós.
b) Celebrar a Assunção de Maria significa cantar a Canção da Vida e não enaltecer os obreiros da morte e sofrimento do povo. Celebrar a Assunção de Maria significa lutar contra todas as forças do dragão destruidor.
c) Celebrar a Assunção de Maria significa lembrar-se, a cada instante que, mesmo no meio de tantas dores e sofrimento (como as dores de parto), a Palavra final não será a do dragão, mas a Palavra final será de Deus e seu Cristo.
d) Celebrar a Assunção de Maria significa descobrir o olhar meigo, amoroso, carinhoso, atento, terno e eterno do Pai celeste.
Então, só nos resta uma atitude e que foi proclamada nas palavras de Isabel: “Bem-aventurada aquela que acreditou, porque vai acontecer o que o Senhor lhe prometeu” (Lucas 1,45).
José Archângelo Depizzol
15/08/2022
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